quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Bolero de Ravel: uma reflexão, uma lição!




Vilma Lúcia Pedro

Assistir/ouvir a apresentação do Bolero de Ravel remete à organização do processo educacional. Chama a atenção, entre outras coisas: o sincronismo dos gestos associado à execução individual e particular de cada membro da orquestra; o olhar atento ao regente associado à atenção irrestrita ao desempenho dos colegas; o andamento crescente da sinfonia, que inicia com acordes suaves e lentos e acelera o ritmo, aumentando o tom; a condução tranquila, firme e segura do regente; a explosão apoteótica da apresentação.

Tudo isso gera um silêncio reflexivo, aliado a uma vontade enorme de dizer, dizer, dizer.

É possível pensar em muitas coisas para falar. Mas, persiste a dúvida paradoxal:

Seria oportuno citar Rubem Alves (lembrando o caso da águia que quase virou galinha) e dizer que é necessário, ao professor, mirar o exemplo daquele homem que empurrou a águia para o abismo, dando-lhe a chance de voltar a voar? E ainda que urge a preocupação com a postura profissional não se permitindo ser domesticador(a) de “águias”, transformando-as em galinhas?  E que o docente não pode aceitar a se transformar em águias domesticadas?

Seria adequado citar Marina Colassanti e lembrar que nunca devemos nos acostumar com as rotinas diárias que acabam enrijecendo nossos sentimentos?

Seria oportuno falar de teóricos e suas teorias?

Seria conveniente lembrar que os caminhos e estradas que cada professor trilha é  construído individualmente, a partir dos alicerces da convivência que tiveram com teóricos, com professores no processo de formação, com colegas de turmas, com o pessoal administrativo da escola, com alunos....?

Seria adequado dizer que muito mais que a especialidade profissional é importante o sentimento daquilo que é belo, do que é moralmente correto, da compreensão das motivações humanas?

Seria oportuno lembrar as palavras de Menotti Del Picchia: “voa e canta enquanto resistirem as asas” e afirmar que os voos docentes devem rumar ao céu, ao infinito, buscando resistência no alicerce de seus conhecimentos?

Diante das dúvidas, é urgente compreender, finalmente, que o mais adequado, oportuno e conveniente é permanecer no silêncio reflexivo que impulsiona.



terça-feira, 8 de maio de 2012

Pela diversidade de talentos: uma releitura da estória de urubus e sabiás


Vilma Lúcia Pedro

A leitura do texto, “Urubus e Sabiás”, de Rubem Alves, me reportou à imagem de uma escola, seja ela de qualquer nível de ensino, e seus profissionais. Fiquei pensando como são estabelecidos os debates e como é aproveitada/descartada a diversidade de formação acadêmica e de competências e habilidades.

A partir daí, imaginei uma reunião em que todos participavam ativamente, manifestando suas opiniões e conceitos. A hierarquia não representava barreira para que os posicionamentos fossem questionados, por que a liderança era exercida com autoridade conquistada pelo respeito à diversidade e competência.

O líder tinha como pressuposto principal que seu saber não era absoluto e que os saberes dos participantes completava e enriquecia cada projeto. Além disso, trabalhava o tempo todo para descobrir novos talentos no grupo, incentivando cada participante a desenvolver sua autonomia e arriscar em novas estratégias de ensino-aprendizagem. Dessa forma, as diferenças de títulos e de experiências concorriam para o aprimoramento do trabalho da equipe.

Continuando minha reflexão, pensei como lidamos (professores, coordenadores, diretores) com esta diversidade em nosso cotidiano.

Será que trabalhamos para aflorar os diversos talentos, abrindo os projetos e discussões à participação coletiva ou matamos, diariamente, as iniciativas individuais em nome de uma burocracia hierárquica?

Será que aceitamos os “palpites” e sugestões dos outros no momento da elaboração dos projetos ou impomos, sempre, nossas idéias?

Será que consideramos os conhecimentos prévios sobre o assunto de cada um dos participantes ou imaginamos todos como tábulas rasas? Ou nivelamos os conhecimentos de todos a partir de um ponto previamente definido?

Será que somos instigadores e questionadores ou apresentamos sempre as respostas prontas?

Será que conseguimos estabelecer um diálogo efetivo ou impomos monólogos infindáveis?

Será que conseguimos nos despir de vaidades e certezas ou nos apresentamos como fenomenais e infalíveis?

Será? …
São dilemas importantes que trazem, no seu bojo, situações extremas e difíceis de acertar o ponto de equilíbrio. Mas este é o grande desafio. Trabalhar com a diversidade de talentos, incentivar a criatividade alheia, aceitar os diversos saberes e reger a orquestra com afinação e empolgação.
Que os cantos dos diferentes passarinhos sejam atraídos para nossa floresta.

MORAL: Em terra em que se ouve canto de sabiá, os diplomas dos urubus são mais enriquecidos.  


Para aprofundar o debate:





Urubus e Sabiás - Rubem Alves


"Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa , e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.

— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...

— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.

E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...

MORAL: Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá."

O texto acima foi extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar — O fim dos Vestibulares", editora Ars Poetica — São Paulo, 1995, pág. 81.
Rubem Alves: tudo sobre o autor e sua obra em "Biografias".

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